quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Em busca da comunhão


Vivemos em um mundo marcado pelo isolamento pessoal. O espírito do capitalismo fez surgir um homem que buscasse um crescimento a qualquer custo. O conceito de indivíduo passa a nortear todas as relações políticas e morais, e um “indivíduo” não só como objeto de valores, direitos e deveres, mas que é o centro das próprias ações.


A partir desse modo de ser e viver, o homem começa a agir como se o mundo girasse em torno de si. A sociedade está corrupta quando ele é alvo de corrupção, falta caridade quando ele é esquecido, as pessoas são mentirosas quando ele é objeto de calúnia. Do contrário, tudo está bem. O mundo passa a ser definido pelo ego... Pelo indivíduo ego-ista...


Essa estrutura social que surge a partir de um “ego-ismo” reflete uma comunidade que não pensa no outro, melhor, que não pensa o outro. Esse pensar o outro ultrapassa os limites de uma caridade simplesmente política ou de um altruísmo compensatório, ou seja, para superar o egoísmo. Estamos, na verdade, com a necessidade de um espírito de comum-união.


A superação dessa dificuldade não está apenas no fato de que, a partir de certo momento, o outro deve ser o único objeto de minhas ações. O conceito de comunhão apresenta a necessidade de um espírito que pensa em comum. Saber que o centro de uma sociedade não é essa ou aquela pessoa, determinado grupo social, tampouco uma ideologia política ou filosófica.


Compreender-se como habitantes de uma “comum-unidade”, e não um conglomerado de interesses, é o início de uma transformação de uma sociedade marcada e definida pelo indivíduo. O outro entra nesse jogo de relações como participante necessário desse espírito de comunhão.


Jesus, como Palavra de Deus, não apresentou ao mundo um conjunto de normas a serem seguidas, regras a serem observadas, limites a serem traçados. Ele afirma: “se dois de vós estiverem de acordo, na terra, sobre qualquer coisa que quiserem pedir, meu Pai que está nos céus o concederá” (Mt 18, 19).


Cristo não apresenta ao mundo um modo democrático de oração. Ele aprofunda a realidade humana de comunhão e de diálogo com Deus. Ele não afirma uma verdade criada pela maioria, mas chancela todo conceito que for fruto da busca por comunhão. Toda a ação que tiver como fruto o bem comum está, desde já, tornando concreta a realidade divida.


Nosso Senhor se arrisca ao afirmar esse modo de proceder, mais ainda quando confirma: “tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu” (Mt 18, 18). O homem que luta por uma comunhão, vai além de um estar junto dos outros: fazer o que os outros fazem ou querem, viver como vivem a maioria.


O homem que busca tornar real a comunhão é aquele que age como se estivesse integrado a um organismo, atento ao que o todo necessita.


Vejamos o exemplo de Maria, mãe de Jesus. Diante da possibilidade de encarnação do Verbo de Deus ela não calcula os benefícios que teria para si, muito menos busca agradar àqueles que estavam ao seu redor. Ela sabia apenas que o seu “sim” significaria uma redenção de todo aquele que busca a Deus. Seu exemplo manifesta e faz materializar-se a perfeita comunhão.


Que nós também saibamos entrar nessa escola de comunhão, à luz daquela que soube atualizar por obra do Espírito Santo de Deus, a Vontade Divina. Aquele que com um “faça-se” transformou o caos em “ordem” também nos ensina a entrar nessa dinâmica da comunhão, que não é apenas pensar no outro ou na maioria, mas no que todos necessitam, pensar naquilo e Naquele que nos torna, consigo, Um.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Novos instrumentos

Vivemos em uma estrutura social que nos define pelo que somos e o que temos. A objetividade penetrou tanto em nossa comunidade que ultrapassa a visão pragmática das realidades, até o homem entra nessa compreensão. Ele passa a ser transformado em peça de uma engrenagem.


Como toda peça, esta só tem algum valor se puder ser encaixada em algum espaço da maquina e puder desenvolver alguma função. Quando esse item está incompleto, quebrado ou desgastado ele logo é reposto.


Essa mesma lógica invadiu as relações pessoais. Os discursos em defesa do aborto, eutanásia ou eugenia são exemplo de uma cultura que materializa as coisas e as pessoas. Assim sendo, a complexidade e, portanto, mistério, que há em cada indivíduo é esquecido por sua utilidade.


Deste modo, o ser que ainda não atua praticamente no meio social, o indivíduo que possui limitações físicas ou mentais e a pessoa que já ultrapassou a idade do trabalho passam a ser consideradas, nessa compreensão, como peças descartáveis.


Quando celebramos a assunção de Nossa Senhora, não memorizamos um grande personagem histórico, que fez grandes coisas. Pelo contrário, vemos em Maria a memória de um crescimento que se desenvolve a partir das pequenas ações.


Nossa Senhora não cresceu por si mesma, ela não fez grandes coisas, não tinha grandes habilidades... Pelo contrário, como ela mesmo afirma: “o Todo-poderoso fez grades coisas em meu favor” (Lc 1, 49). Maria não se fez grande, mas sim, Deus fez grandes coisas naquela que fazia, em cada momento, um espaço absoluto de santificação.


Maria corre apressadamente ao encontro de sua parenta (cf. Lc 1, 39), não como quem tem pressa para fazer uma atividade e logo terminar. Ela se apressa por que quer logo estar naquela dinâmica do serviço. O “sim” dado ao Anjo é continuado pelo serviço à Isabel.


A partir desse “sim” dado por Nossa Senhora começa a surgir a vida, tanto em seu corpo como na realidade que a envolve. Aquela jovem não se preocupou, ao ponto de desistir de sua missão, por que sabia que não dependia dela tudo o que ia ocorrer. Ela apenas deixou que grandes coisas fossem feitas nela e através dela.


Com apenas um “sim” à Deus e aos homens compreendia que a redenção de todos não dependia de suas ações, mas do que ela permitia que fosse feito por meio dela. Maria não utilizou grandes habilidades fazendo-se grande, mas como ela mesmo afirma: “O Senhor engrandece a minha alma” (Lc 1, 46).


Fazendo-se humilde, Nossa Senhora soube deixar-se preencher de Deus. Fazendo-se plenamente humilde, Deus habitou plenamente em sua existência ao ponto de fazer-se carne viva. Do mesmo modo, Deus não necessita de nossas qualidades ou habilidades, Ele deseja apenas um coração aberto à Sua vontade.


Que nessa dinâmica do serviço e da oferta humilde de Nossa Senhora, possamos ultrapassar a compreensão materialista que nos envolve e saber viver a “ascensão” que se constrói por trás de toda entrega de vida.


Maria nos ensina que Deus só se faz presente em quando nós sabemos nos esvaziar de nós mesmos. E aquele, que é a plenitude do amor, só nasce quando tentamos atualizar, a cada dia, a perfeição da caridade.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Olhos fixos




Um ícone que mais deve ter chamado a atenção na festa de Sant’Ana de Caicó desse ano de 2011 foi a ausência de bebidas alcoólicas sob a responsabilidade da Igreja. Outras perguntas podem e devem surgir a partir dessa realidade?


O consumo de bebida diminuiu nesses dias de festa? Alguém deixou de beber somente por que a Igreja não disponibilizou bebida? A Igreja não poderia lucrar mais com essa venda, mesmo que ela fosse somente reservada a alguns tipos de bebidas? Será que houve alguma mudança de comportamento partir dessa nova postura?


A Igreja, seguindo a proposta do Deus encarnado, também assume a compreensão de que o homem é um ser dotado de liberdade. Como mestra, ela aponta os caminhos a serem seguidos, mas não obriga ninguém a assumir determinada postura. Mesmo sendo mãe, ela nunca ficará nos pés do filho dando sim ou não ao que ele deve ou não realizar.


A Igreja não lucrou, não mudou a postura de ninguém, quanto mais converteu alguns dos que gostam da bebida. Entretanto, essa postura fez com que seu discurso passasse a ser mais coerente. Em um mundo de tantos vícios, uma Igreja que cresce sendo alimentada por erros tende, mais cedo ou mais tarde, a afundar em sua própria contradição.



A bebida, mesmo sendo um instrumento de socialização para alguns, é meio de desgraça para muitos outros. Mesmo aqueles que bebem somente para diversão estão sendo iludidos por uma falsa felicidade, que é comprada ou construída à base de simples doses ou pequenos goles.


Pedro, ao assumir os passos de Cristo, enfrentando as primeiras dificuldades, começa a afundar. O apóstolo afunda pelo fato de que começou a desviar-se do caminho, outras coisas começaram a chamar mais atenção do que Cristo.


Viver na busca de uma pseudo-alegria significa um desviar-se da verdadeira alegria. Desviar-se dessa plenitude, deixando-se enganar por outras adversidades, nos faz afundar, imergir em um mundo de caos, sem perspectiva de futuro.


A Igreja, mesmo com as suas adversidades, está sempre a apontar para a possibilidade de uma vida plena. Compreender, aceitar e abraçar essa dinâmica de uma vida feliz, fundada em uma alegria integral requer um espírito de fé. Acreditando que podemos viver de uma maneira feliz, sem falsas alegrias, em uma luta diária para que a felicidade possa ser construída gradativamente, e não comprada.


Que nós também possamos entrar nessa dinâmica de uma fé que nos lança para a luta de construção de nossa felicidade. A busca por instrumentos pré-fabricados que constroem uma falsa alegria só constrói um ser humano frágil, que, com a menor das adversidades, imerge em um mundo de caos.


Maria é aquela que nos ensina a virtude de uma esperança que se fundamenta na construção da felicidade plena. Ela, ao aceitar a realidade de gerar o filho de Deus, deixou de lado muitas outras possibilidades de felicidades. Aquela jovem, ao aceitar aquele que era a vida em plenitude, buscou integralmente aquela realidade.


Em um mundo de variadas facilidades e múltiplos prazeres, possamos olhar fixamente para aquele que nos dá a vida plena, já que Ele mesmo traz em si essa plenitude. Aprendamos a construir, no esforço e no sacrifício, a vida que tanto buscamos. É evidente que essa busca não é fácil, é preciso ter os olhos fixos naquele que traz em sua vida a plenitude da existência, e está constantemente a nos assegurar...


“Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14, 27).

Enraizados na história

Nesse mês de julho nós, seridoenses, sentimos renascer em nossa fé o mesmo espírito que animou a espiritualidade de nossos pais, avós e todos os que nos anteciparam. A Festa de Sant’Ana, mais do que um conjunto de comemorações e cultos religiosos, define a marca de um povo que é constituído pela história.


Vivendo em um mundo marcado pela “descartabilidade” das coisas e das pessoas, a história parece ser mais um aparato de nossa cultura. Semelhante a um objeto que pode ser utilizado quando necessário, ela também pode ser esquecida, quando não obedece aos interesses de quem a manipula.


O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) defendeu a compreensão do homem como um ser histórico. Marx não conseguia ver o homem como um conjunto de ideias que, associadas a um complexo biológico, formava um indivíduo. Mais do que isso, o homem era a construção de toda uma história que o antecipava e de uma rede político-social que, com ele, interagia.


As festas religiosas que marcam o calendário cultural do Seridó, não definem apenas que somos, em maior parte, cristãos católicos, mas que temos uma cultura que nos afirmam como seres históricos, políticos e humanos.


Não temos uma fé instrumental, que nos ajuda a conseguir qualidades ou bens, mas que nos ajuda a compreender-se como indivíduos que trazem consigo toda uma marca de historicidade e sociabilidade. Essas características permitem-nos encarar essa cultura do “descartável” com mais veemência e desejo de ir além.


Jesus, ao desenhar para os seus discípulos a possibilidade de construção do Reino dos Céus, esclarece: “todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13, 52). Compreender que temos uma riqueza não só nas tecnologias de última geração, mas na tradição que nos antecipa e constitui, é a grande empreitada que devemos realizar nos dias de hoje.


Ao celebrarmos a festa de Sant’Ana, olhemos para a imagem da mãe que cuida de sua filha e a ensina o caminho correto à luz dos ensinamentos divinos. Em uma estrutura social que, quase sempre, exclui o que é antigo, não podemos olhar para imagem do Cristo como algo caído, pronto, do céu.


Mesmo configurado como Palavra de Deus, esse verbo foi sendo modelado durante a história, desde o início dos séculos. Ele não foi criado por Deus em algum momento da história, mas desde o início dos tempos essa vontade divina foi sendo moldada até a sua plenitude.


Essa modelação foi realizada gradativamente, ao longo da história. A imagem de Nossa Senhora que é educada por sua Santa Mãe, Ana, apresenta bem esse processo. A mesma imagem traz como centro a Palavra de Deus que, na plenitude dos tempos, fez-se homem.


Se quisermos compreender a grandeza do Deus Filho, temos que olhar para a educação que ocorre no colo da mãe amorosa que educa os seus filhos à luz da Palavra de Deus. Maria está nesse centro de valorização da família e nesse mesmo processo educacional fundado no conjunto de valores transmitidos pelos pais.


Que nós também saibamos olhar para Jesus, palavra Viva de Deus, como aquele que foi gerado não só por sua Mãe, mas por toda uma história que o antecipa. A imagem de Nossa Senhora e Sant’Ana nos ajuda a compreender bem esse mistério da Palavra de Deus que se edifica no colo de uma mãe que, amorosamente, educa sua filha e a prepara para observar a Palavra de Deus. Essa mãe, na plenitude dos tempos, torna-a viva no meio de nossa história.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Crescer com o joio

O homem é definido como ser capaz de comunicação. Expressão essa que ultrapassa as dimensões verbais e se amplia no ato de interação com um semelhante, pelas diversas formas que a inteligência os permite. Somos homens de palavras e indivíduos da palavra.


Facilmente expressamos a realidade que nos envolve por meio de informações, críticas ou definições. Gostamos de falar sobre o mundo que nos cerca. Somos mestres em dizer a “verdade” sobre as coisas e as pessoas. Mais do que isso, temos sempre uma resposta para as diversas realidades que nos abraçam.


E em uma estrutura social facilmente marcada pela informação globalizada, as notícias que chegam até nós são mais um motivo para um julgamento, quase sempre imediato.


Corrupção, individualismo, injustiça, pobreza, criminalidade, fragmentação de valores, falta de ética... são palavras muito utilizadas atualmente por que foram emitidas quase sempre associadas a um determinado julgamento sobre casos específicos. E se é fácil nossa capacidade de julgamento, muito mais é a nossa habilidade em solucionar os fatos.


Temos sempre uma solução para os muitos conflitos: afastar, reeducar, prender, surrar, matar, esquecer... O problema do julgamento começa na “caracterização” do outro, que já é limitada e unidirecional, ou seja, o outro é seria definido apenas sob um único olhar, e encerrando-se no fato de se querer já solucionar o problema a partir de uma perspectiva individual.


Jesus nos apresenta uma dinâmica diferente da postura que estamos acostumados. Diante de um mundo cercado de “desgraças”, Jesus nos ensina que devemos aprender a crescer com elas.


Podemos eliminar os males do mundo de uma só vez? Diante dessa pergunta, o Verbo de Deus nos ensina: “Deixem crescer um e outro até a colheita” (Mt 13, 30). É preciso que nós aprendamos a evoluir ao lado de realidades positivas e negativas. Ambas, sob o olhar de Cristo, são instrumentos de nosso crescimento.


Isso não significa que nós devamos ser homens conformados com a realidade que nos abraça. Mas significa dizer que, ao julgar, estamos certos de conhecer completamente o objeto de nossa avaliação. Nesse ínterim, esquecemos que a realidade que nos envolve e, principalmente o outro, sempre fogem às nossas definições.


Sim, somos seres de comunicação, somos seres de julgamento, por que temos visão, inteligência e capacidade comunicativa, mas devemos nos lembrar também que somos seres limitados quando o assunto é o outro. O mundo complexo que o cerca o torna incapaz de ser “definido”, “julgado” ou “conceituado”.


Que o Espírito do Cristo, Palavra de Deus, faça nascer em nós a paciência necessária para nos ajudar a crescer com estruturas confusas que nos rodeiam. Afinal, o homem e o contexto que o cerca sempre estará carregado de mistério. Defini-lo sempre implica limitá-lo.


Maria é aquela que soube aguardar, no silêncio, o grande grito da ressurreição. Ao sofrer, em sua própria carne, as dores do filho condenado injustamente, maltratado e crucificado ela não se revoltou contra os que cometiam tal barbárie. Como no início, mesmo sem entender, ela guardava todas aquelas coisas no coração.


E porque guardou no coração todas aquelas imagens confusas ela soube contemplar, imaculada, a ressurreição do Filho do Homem.


Que nós também, associados ao silêncio de Maria, saibamos calar-se diante de muitas realidades e a esperar pelo Espírito da Providência Divina, que tudo ordena e conforma a Si. O mesmo Espírito que ordenou o mundo do caos continua a sobrar sobre todos os homens, fazendo crescer joio e trigo, mas esperando pelo que mais Lhe agrada.

Dinamicidade da Palavra

O século XXI pode ser caracterizado como a era da informação. A tecnologia nele construída desenvolveu-se até um estágio em que o mundo torna-se “pequeno” com a rapidez que as informações são transportadas. Vivemos em um mundo de muitas informações, muitas palavras, muitos discursos...


A questão é: O que estamos fazendo com tantas informações? Televisão, rádio, internet, jornal, torpedos, e-mails, panfletos, outdoors, faixas... Estamos sendo bombardeados por palavras que nos enchem de conteúdos e nos esvaziam de conhecimento.


A conseqüência de um mundo com excesso de palavras e informações é uma realidade que não reflete. A marca da rapidez anda sempre associada à da prontidão, tudo já está feito, pensado, mastigado... basta engolir. Enfim, em um mundo de muitas comunicações, criamos um indivíduo mudo.


O homem nesse caminho, corre o risco de não mais pensar. Todas as verdades parecem já terem sido ditas. Basta que sejam consultadas as enciclopédias, os dicionários, as revistas de moda, os almanaques, o jornal impresso ou áudio-visual ou as internet’s da vida.


Diante de tais “palavras” que geram homens estáticos, a sociedade precisa de uma Palavra que seja dinâmica, Palavra de Vida, Palavra que gera Vida. Isaías nos apresenta tal realidade: “Ela (a Palavra) sai da minha boca e para mim não volta sem produzir seu resultado, sem fazer aquilo que planejei, sem cumprir com sucesso a sua missão” (Is 55, 11).


Tal Palavra não transmite apenas uma informação, mas é dinâmica enquanto aperfeiçoa todo aquele que nela acreditar. Esse, não mais é portador de um novo conhecimento, mas de uma nova vida conquistada na dinamicidade desse Verbo Perfeito.


Porém, todo aquele que abraça essa Palavra deve saber que Ela, ao aperfeiçoar, também lapida. Deste modo aquele que não quer perder para transformar-se é como aquele que não tem raízes (cf. Mt 13, 6.20s), abraça a Palavra por sua beleza, mas quando compreende as conseqüências que a Sua proposta implica “murcham” e desaparecem entre as pedras da vida.


Essa mesma Palavra pode ser “espetada” (cf. Mt 13, 7.22) por outras palavras que satisfaçam mais os nossos sentimentos, que digam coisas que gostemos de ouvir, que nos animem a caminhar pelo rumo do mais fácil e do menos ardoroso. Em um mundo de discursos comercializados, Aquela pode ser mais uma e entrar na livre concorrência da que mais agradar aos consumidores.


Que nós, saibamos confirmar o nosso caminhar em uma Palavra que gere vida, vida essa que implica perdas para outros e maiores ganhos. Para isso, é preciso que essa Palavra seja abraçada integralmente por aquele aque Nela acredita. Isso implica morrer para muitas coisas e deixar-se enraizar em Sua ampla e dinâmica proposta (cf. Mt 13, 8.23).


Saibamos olhar para o exemplo daquela que soube gerar o verdadeiro e único fruto da Vida eterna: Maria. Aquela jovem soube morrer para muitas realidades, deixou ser “enterrada” para que sua perda gerasse vida no meio dos homens. Sua missão só deu frutos porque ela soube, antes, enraizar-se no Vontade que ela tinha abraçado.


Nesse mundo de múltiplas, variadas, agradáveis e bonitas palavras, que nós aprendamos a escolher uma e, de preferência, definitiva Palavra. E Ela só é definitiva porque é de Deus, daquela Suprema Realidade que nos cria com um único objetivo: atraír-nos a Si. E, atraíndo-nos, torna a humanidade perfeita como Ela, em Cristo, se fez.

Cristo: Palavra de Vida


“Vida de gado, povo marcado, povo feliz”
Zé Ramalho


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Estamos vivendo na sociedade de massas. O valor dos seus ídolos, seus produtos e até mesmo suas crenças são medidos pela quantidade de pessoas que os utilizam. Por conseguinte, se a mensagem ou o produto “agradam” ou falam o que queremos ouvir, esse passa a ser considerado “bom”.


Tal realidade deve nos fazer questionar: será que nossa fé não corre esse mesmo risco de ficar reduzida a uma crença de massas. As músicas que são mais ouvidas não as que possuem mais conteúdo ou as que mais agradam os nossos sentimentos? As palavras mais ouvidas são as que aperfeiçoam e nos apontam caminhos ou as que apenas “tocam” o nosso interior.


Por trás de tudo isso está uma mídia que fabrica novos ídolos que atendam as demandas e necessidades de muitos e, atendendo tais necessidades, lucrem com essa satisfação intimista. E o cristianismo não está isento dessa industrialização da fé. Um exemplo disso é a multiplicação de pastores católicos e evangélicos que surgem para dizer uma palavra pré-moldada que soa bem aos nossos ouvidos.


Jesus Cristo quer saber entre os seus apóstolos como sua Palavra estava chegando para as pessoas (cf. Mt 16, 13). Ou melhor, como as pessoas viam o seu modo de ser e agir. Muitas são as respostas por que múltiplas são as experiências que temos com Cristo, Palavra de Deus.



Podemos vê-Lo somente como alguém que apenas disse palavras que saram as nossas dores mais evidentes. Ou compreendê-Lo como um crítico da sociedade de seu tempo que veio estruturar um novo modo de ver as relações humanas. Ainda podemos vê-Lo apenas como um instrumento de salvação: “morreu por mim e já estamos salvos”.


Jesus, como Palavra de Deus, sempre vai fugir de nossas discussões, mas a resposta de Pedro é a que mais se aproxima da espera de Cristo: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16).
É Messias porque é enviado de Deus, e como enviado representa toda a esperança que Deus tem para o homem. É nesse mesmo sentido que o afirmamos como a Plenitude da criação. É filho de um Deus vivo porque sua Palavra é sempre atual e dinâmica, portanto, é vida para que outros tenham a vida.


Jesus Cristo não apontou uma bonita filosofia, palavras que agradassem às pessoas ou tocassem em necessidades pessoais. Ele, como Verdade que apontava para a Vida, corrigia, desfazia e condenava quando necessário. Palavras que apenas agradam o nosso íntimo já as temos ao monte, o mercado já as fabricam constantemente.


Maria é exemplo daquela que soube ir além de sua cultura e sua história, não as negando, mas confirmando-as. Ela soube ver na Palavra do Anjo uma confirmação da Lei e dos Profetas e ver em Jesus a Plenitude da Obra do Pai.


Que nós também possamos ver em Jesus essa plenitude de uma Palavra em um mundo de muitos discursos. Uma Palavra que, em si, traz a Verdade de uma vida plena. Verdade essa que é caminho em uma cultura de múltiplas vias. Caminho esse que nos aponta para o único Pai, para a plenitude de nossa Vida.

Tornar-se pão

A maior parte das informações que vemos na mídia envolvendo a ação política parece estar sendo resumida em uma palavra: corrupção. Porém, como surge tal prática? Por que tantos casos envolvendo pessoas que deveriam representar e cuidar dos bens públicos?


Outra palavra surge para explicar e iluminar a prática da corrupção: individualismo. A comunidade contemporânea vive a cultura do “cada um por si e Deus...”. E Deus é esquecido. A marca de uma sociedade fundada na quantificação das coisas e das pessoas é a fragmentação das relações.


Max Weber (1864-1920), filósofo e sociólogo alemão, apontou que a sociedade de seu tempo vivia uma “instrumentalização da espécie”. O homem não era mais “ser humano”, mas coisa a ser quantificada e qualificada por suas ações e habilidades. E esse conceito não mudou. A conseqüência direta dessa realidade é um indivíduo que se preocupa mais consigo mesmo do que com os outros.


A filosofia assumida passa a ser a do “primeiro eu, segundo eu, terceiro eu...”. Não se trata mais de uma hierarquia de importância onde o indivíduo se punha primeiro em relação aos outros – o que já seria alarmante –, mas de uma absoluta negação do outro como pessoa possuidora de uma dignidade.


Na celebração de Corpus Christi, entramos na dinâmica do Deus que se torna pão. Jesus Cristo se apresenta como aquele que se entrega aos homens para a sua salvação: “Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6, 51).


Aqui nos é apresentado um modo de relação baseado no amor caridade. Não há hierarquia de direitos nem privilégios, não há instrumentalização da espécie, há fragmentação de relações, o que há é somente amor entrega.


O Cristo quando se apresenta como pão que alimenta e salva, aponta para o fato de que o seu modo de ser, encerrado em sua pessoa, apresenta um alimento que dá sentido à nossa vida, nos dá forças para enfrentar uma estrutura social marcadamente desigual. O Cristo Pão, torna-se alimento quando se entrega à serviço do homem, para a sua edificação.


Contrária à corrupção está a caridade, uma prática que centra-se no amor ao outro por primeiro. Essa entrega tem como objetivo sempre o bem do outro, a sua salvação. E São Paulo, apresentando-nos essa nossa comunhão com o mistério de entrega de nosso Senhor conclui: “Todos participamos deste único pão” (1 Cor 10, 17).


O Deus que se fez caridade nos ensina que devemos aprender que o sentido de nossa vida não está em acumular bens ou dominar pessoas, mas em encontrar o significado para o qual fomos criados. Assim Moisés compreendia essa realidade ao afirmar: “nem só de pão vive o homem, mas de toda Palavra que sai da boca do Senhor” (Dt 8, 3).


Entrar na dinâmica do pão que se parte e serve a outras pessoas é caminho de vida, e vida eterna. Isto não é retórica, mas um fato histórico apresentado na pessoa de Jesus. Aquele que soube doar-se pelos outros, servindo-lhes, corrigindo quando necessário, sofrendo e até morrendo, foi aquele que ressuscitou. Ele, como pão, chegou à eternidade.


A jovem de Nazaré é aquela que soube entrar também na dinâmica do pão partido. Entra, deixando muitas possibilidades, aprendeu a servir e a entregar a sua vida em favor de outras pessoas. O mistério da redenção de Cristo passou por aquela que se entregou a um amor caridade, fazendo real o próprio amor.


Que nós possamos entrar nessa realidade de um tornar-se pão. Esse “tornar-se alimento” implica a entrega para o bem de outras pessoas. Contrário a uma objetivação da espécie e a uma ética individualista, o mistério da Eucaristia nos reflete o homem que se tornou pão e, tornando-se comida, fez-se Divino, abrindo para nós as portas da eternidade.