quarta-feira, 2 de março de 2011

Preservar a vida

Ao nos aproximarmos do período de carnaval e dos festejos que os envolve, muitos são os discursos que incentivam e justificam as mais variadas práticas. Algumas delas, porém, acabam por justificar uma relação moral ou social que está se corrompendo e desfragmentando valores, pessoas e relações.

Um dos mais que mais afloram nesse período é sobre o uso do preservativo. Muito se propõe, mas pouco se reflete. Mas o que realmente está por trás dessas propostas? Que interesses estão por trás dessas comunicações? Que tipo de cuidado sobre o homem estamos construindo?

Quando é disposto na mídia somente um: “No carnaval, use camisinha”, estamos aceitando o discurso: “faça tudo...”, “como quiser...”, “onde quiser...”, “com quem quiser...”, “quantas vezes quiser...”, desde que... “No carnaval, use camisinha”.

Esse cuidado legítimo na preservação de doenças sexualmente transmissíveis acaba por gerar outro problema, um tipo de indivíduo animalesco. Esse, interage com os outros a partir dos próprios instintos, desejos e interesses. O outro é sempre objeto do seu querer. Com isso, as boas relações sociais acabam por se desfragmentar em impulsos individualistas.

Nesse mesmo caminho, muito se distorce a palavra da Igreja no que se refere à tais preservativos. O discurso falacioso que disso se tira é de que: Se a Igreja é “contra” o preservativo e se o preservativo evita a transmissão doenças graves, logo, a Igreja está a favor da transmissão de algumas doenças.

No entanto, a Igreja está a discordar somente do contexto relacional em que o preservativo está sendo justificado e incentivado. O discurso é mais positivo do que se imagina, a Igreja não é contra o preservativo, ela, pelo contrário, só está a apresentar uma proposta de relação humana fundada no respeito ao outro, no zelo pela sexualidade humana e pela integração do homem com seus próprios instintos.

Na verdade, o Magistério da Igreja e a Palavra que ela é encarregada de anunciar nunca foi contra a camisinha, ela só afirma que, dentro da proposta que ela está apresentando, o preservativo não tem necessidade de ser utilizado. Em outras palavras, numa relação entre duas pessoas que seguem a Palavra que ela está anunciando, fundada no respeito, no conhecimento mútuo e gradativo e no auto-controle sobre os desejos individuais, a camisinha não cabe.

A Igreja, entretanto, seguindo o mistério do Deus feito homem, não força ninguém a seguir esse caminho. O homem é livre para dizer um sim ou um não diante de todo caminho duplo que ele encontrar. Porém, a Igreja não se cansa de profetizar que por trás de cada opção existem múltiplas conseqüências. A “bênção ou a maldição” (Dt 11, 26) que vamos recebendo em nossas vidas é resultado do caminho que optamos, não de castigos celestes.

Cabe a nós pôr em prática os discursos que ouvimos e esperar as conseqüências que deles são construídas. Se optamos por construir a nossa vida por caminhos fáceis e sem esforço, a edificação que dela surge é frágil e também sem firmeza. Na primeira tribulação desmoronamos.

Aprendamos com Maria a sermos homens e mulheres que acreditam na palavra pronunciada por Deus e pormos em prática o que Ela ordena. Nas bodas de Caná a jovem de Nazaré soube apontar para o caminho que transforma a nossa vida para o melhor: “Faça tudo o que Ele vos disser”. Como Maria, saibamos gerar essa Palavra, apresentando ao mundo a luz que ele necessita.

Superemos as palavras e discursos que nos desviam do verdadeiro sentido da vida. Abracemos e confiemos naqueles caminhos que nos ajudam a construir, com solidez, a nossa existência. Tais caminhos, mesmo com altos e baixos, grandes e pequenos obstáculos, fortalecem os nossos membros e nos tornam homens plenos.

Viver a vida

Somos seres de domínio. Queremos ter a certeza do que somos e do que temos. Ficamos inseguros diante de um futuro incerto. Pessoas obscuras também nos causam temor e aversão. Achamos suspeita toda gratuidade que venha até nós. Queremos ter sempre algo nas mãos para pagar ou dar em troca.

Esse tipo de postura cria em nós um materialismo socialmente prejudicial. O homem passa a quantificar o mundo e a vida. Todas as coisas, aos seus olhos, passa a ter um preço. Porém, mesmo sem perceber, o preço maior que ele aplica nos fatos, objetos ou pessoas é a degradação da própria vida, seja a sua, na relação com os outros ou em sua interação irresponsável com os bens naturais.

Jesus, há dois mil anos atrás, nos ensinou não uma regra religiosa, mas uma proteção para a nossa qualidade de vida: “Não fiquem preocupados com a vida, com o que comer; nem com o corpo, com o que vestir” (Mt 6,25). Toda a nossa insegurança parte do temor de sair prejudicado em nossas relações vitais.

Jesus Cristo pede que não tenhamos medo. Ele que nos criou, deu a nós as condições necessárias para a sobrevivência, também nos dá a inteligência para superarmos os obstáculos que venhamos a enfrentar. Porém, ele nos adverte: “não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações” (Mt 6, 34).

Preocupar-se é se ater com algo que está no futuro, portanto, que ainda não chegou. Se temos tal postura corremos dois riscos: ou esquecemos de viver o presente, perdendo as oportunidades de crescimento que ele nos oferece, ou somamos – o que é pior – as preocupações de hoje com as que virão. Continua o Senhor: “Basta a cada dia a própria dificuldade” (Mt 6, 34).

Se eu tenho quinhentos tijolos para transferir em uma distância de cem metros e sei que não vai dar para transportar tudo em um carrinho de mão, então logicamente devo transportá-lo em partes. E se nem o carrinho de mão eu tenho e sou obrigado a fazer tal atividade, devo, conseqüentemente, levar dois tijolos de cada vez. Há um provérbio chinês que afirma que “uma jornada de duzentos quilômetros começa com um simples passo”.

É preciso aprender a viver a singularidade de nossos dias. É preciso experimentar a individualidade de cada homem e sentir-se feliz com isso. É preciso compreender que as maiores riquezas e fontes de alegria nos são dadas gratuitamente. É preciso enfrentar a grande construção de nossa existência: tijolo por tijolo.

Aprendamos com Maria a viver a gratuidade da existência. O risco e a responsabilidade que ela assumiu ao dizer sim à proposta do anjo não fizeram com que ela exigisse nada em troca. Ela soube dizer um simples e destemido: “faça-se”.

Que nós saibamos a também dizer um sim à nossa vida, aos prazeres e aos obstáculos que ela nos apresenta. Não podemos sonhar com um grande jardim em nosso quintal se não começamos a pôs as mãos na terra e plantamos pequenas sementes. Se quisermos mesmo chegar no céu e tocar nas nuvens, comecemos juntando todos os entulhos, pedras e areia que estão ao nosso redor para que, fazendo uma montanha, possamos subir em busca de nosso sonho: a felicidade do alto.