domingo, 23 de agosto de 2009

Família: berço de novos cristãos


A seguir a postura de seus primeiros pais, o homem sempre tende a por a culpa das diversas crises e conflitos que ocorrem no seu meio em realidades que distantes dele. A responsabilidade pela crise financeira é sempre dos capitalistas; a crise política que afeta nosso país é causada pela corrupção dos representantes do povo; a educação, a saúde e a segurança não vão bem por que não há interesse por parte dos governantes em melhorá-la... E por aí vai.


Muitas outras afirmações poderiam ser acrescentadas a essa lista de julgamentos. Fato é, que quando queremos laçar a responsabilidade nos outros, é por que queremos tirar nosso corpo para fora da questão, ausentando-se da responsabilidade por determinado caso.


É esquecido o fato de que estamos a viver em uma sociedade cada vez mais globalizada, ou seja, cada vez mais interligada, articulada entre si. O que se leva a propor que uma ação local de qualquer que seja o indivíduo, gera repercussões globais.


É nesse sentido que devemos voltar os nossos olhares para nós mesmos, como os primeiros responsáveis por tudo que ocorre em nossa sociedade. Por meio do voto, de uma ação social, do trabalho ou por tudo que gera a interação, a pessoa humana é participante do processo de desenvolvimento de sua comunidade global.


Nesse olhar para si mesmo, a família se apresenta como local primordial para a criação desse cidadão responsável. Ela apresenta a primeira experiência de contato com o outro, que é sempre diferente, que tem algo a acrescentar ao indivíduo. São Paulo, na carta aos cidadãos de Éfeso, ilustra esse aprendizado com a pessoa do outro com a imagem da subordinação, em suas palavras ele pede: “Sejam submissos uns aos outros no temor a Cristo” (5, 21). Mais do que um rebaixamento ou subordinação, o ato de se por aos pés do outro, além de servi-lhe, nos ajuda a sempre se deixar moldar pelo o outro, pelo que ele tem a nos ensinar.


A família surge, portanto, com a exigente responsabilidade de formar verdadeiros seguidores do Cristo, aquele que soube se subordinar a uma Vontade Suprema, que se humilhou em sua humanidade, sendo Ele Deus, servindo, sendo Ele Senhor, e morrendo, sendo Ele o próprio Salvador. É essa mesma “Igreja Doméstica” que torna possível a formação de homens capazes, primeiramente de aprender, verdadeiros responsáveis pela sua realidade.


Para que ocorra essa educação para responsabilidade, faz-se necessário estar com os olhos fixos no Cristo. Assim como Josué, cercado por corrupções e idolatrias, afirmou: “Eu e minha família serviremos a Javé” (Js 24, 15), a família deve ser encorajada a gritar e ser luz em um mundo de tantas crises, sendo berço de novos Cristos, de homens que possam se aproximar do Pai, sendo verdadeiros construtores da Cidade de Deus.


Para a construção dessa verdadeira sociedade, a única via é a de Cristo, já que só Ele tem, na expressão de São Pedro, “palavras de Vida Eterna” (Jo 6, 68). Só Jesus tem o verdadeiro ensinamento, já que Ele é a Palavra de Deus encarnada, que nos conduz rumo a um Porto Seguro.


Isso não quer dizer que a família deve se sentir acima da sociedade. Pelo contrário, se ela pretende construir novos cidadãos e uma nova realidade, faz-se necessário que ela esteja presente, inserida nos problemas sociais, sabendo dar uma resposta concreta, à luz do Evangelho, à luz de Cristo.


“O Espírito é que dá a vida, a carne não serve para nada. As palavras que eu disse a vocês são Espírito e Vida” (Jo 6, 63). A família não deve, entretanto, cair somente na “criação” dos filhos ou na sustentação material de seus componentes, mas ser ambiente de formação de novos cristãos, uma célula da grande comunidade, que é o corpo místico de Cristo, sempre em busca do Espírito que dá a Vida e torna possível o mundo perfeito, a Cidade de Deus.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 169, 22/08/2009]

Esvaziar-se para Deus

Celebrar a assunção da Mãe de Jesus, mais do que relembrar um fenômeno histórico-religioso, é um ato de olhar para aquela que soube se por diante do projeto maior que Deus tem para a nossa humanidade.


A partir do período histórico do modernismo, o homem passa a ter a capacidade de conhecer toda a realidade que o envolve. Esse conhecimento faz crescer a pretensão de que se pode “abraçar” todas as coisas. Todas elas, “visíveis e invisíveis”, passam pelo crivo da razão e, com isso, o homem passa a querer explicar tudo o que o envolve.


Longe de querer negar o valor da ciência ou da razão, fato é que o homem aproxima-se de si mesmo, aumentando exageradamente o seu valor, e nega um Absoluto, algo que deva estar superior a ele. Com isso, ele perde a possibilidade de fundamentar as suas certezas ou de alicerçar seus valores em um princípio unificador que possa direcionar as ações das pessoas e um só sentido.


O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, afirma que o homem, diante das inúmeras possibilidades de conhecimento, está diante de um “mar aberto”. Sem terra firme, a pessoa humana sai em direção ao caos de sua realidade sem rumos ou princípios que dão norte ou firmam a sua vida.


Devemos ver na figura de Maria, aquela que se deixou ser guiada pelos planos divinos. Foi somente a partir do seu total esvaziamento, que a Palavra de Deus pode entrar completamente em seu ser, sendo gerada em seu espírito e em seu corpo. Toda a felicidade de Maria estava, portanto, em sua entrega ao Senhor, como ela mesmo exulta: “meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1, 47-48).


É nesse sentido que a assunção da Mãe do Cristo se inicia na própria encarnação do Verbo. Sua entrega aos planos da Providência Divina, no reconhecimento da grandeza de Deus diante de sua pequenez, foi tão plena que a Palavra se aproxima dela e, por ela, se faz Homem.


Nós, entretanto, não devemos somente contemplar admirados esses imensos mistérios. Todo aquele que se deixar guiar por Deus, pela imagem do Cristo, modelo vivo do Seu ensinamento, tornará presente e atual esse grandioso fato. Essa pessoa fará com que Deus atue em nossa história, e ela mesma se aproximará, paulatinamente, da Plenitude da Vida. É somente quando todos se submetem a realidade Absoluta, que é possível uma dupla aproximação: de Deus no homem e do homem em Deus.


Toda a humanidade é chamada a elevar-se, como Maria, a mulher que tornou Deus possível em nossa realidade através de sua perfeita humilhação, deixando-se guiar por Cristo, palavra de Deus, que nos faz entrar em comunhão Consigo, aproximando-se da plenitude na Vida. Com isso, sabendo que todos os conhecimentos e capacidades humanas são meios para se construir e edificar, ainda que de forma imperfeita, o corpo vivo de Cristo, todos eles devem estar sujeitos aos planos maiores da Suprema Providência, que quer todos próximos de Si, sendo “tudo em todos” (1 Cor 15, 28).

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 168, 15/08/2009]

O verdadeiro alimento – II




O homem, sempre teve dentro de si o desejo de felicidade. Seja quem for, qualquer que tenha sido seu período histórico, sua crença ou filosofia de vida, ele está continuamente na busca por um bem-estar. A diferença está exatamente em haver diferentes compreensões dessa “felicidade”.


Sabemos que os sofrimentos, os momentos de crise, sejam materiais, espirituais ou emocionais, estão presentes durante toda a vida do homem. É buscado um bem-estar concreto ou uma felicidade momentânea exatamente para esquecer o conflito pelo qual se passa. Pode ser que o problema seja posto de lado, mas ele não é eliminado. Nessa fuga, se está como Elias, somente adormecidos (1 Rs 19, 3s). Porém, o sofrimento sempre volta quando se acorda.


A resposta dada por Deus é a postura de Cristo, no aceitar o sofrimento como condição que nos leva a ressurreição. As dores e as imperfeições do homem estão sempre a apontar para cima, para a possibilidade de perfeição da humanidade, na aproximação de uma felicidade que não é material, por isso, plena.


É, portanto, na aproximação de Cristo e na imitação de sua pessoa que se pode dar sentido aos sofrimentos. Jesus é o alimento, que não elimina os conflitos humanos, mas dá forças na caminhada terrena (1 Rs 19, 7) em busca de uma felicidade, que não se encontrará de forma perfeita nessa vida.


O modo de aproximar-se, ainda que de forma imperfeita, dessa Felicidade Verdadeira é ouvindo as palavras de São Paulo: “Sejam imitadores de Deus, como filhos queridos” (Ef. 5, 1). Essa imitação se dá somente em Jesus, Palavra Viva, feito carne, dada a nós por Deus. É nesse sentido que o Senhor se apresenta, não como solução, mas como postura diante da vida, como alimento que dá forças ao homem para a caminhada.


Porém, queremos soluções sempre prontas, em nossas mãos, um redentor que faça tudo para nós. É esquecida, com isso, a necessária construção do Reino de Deus, que é responsabilidade humana, acompanhada pela Sabedoria divina. Foi com essa mesma postura que os judeus criticavam Jesus. Eles esperavam um salvador à cavalo, com espada na mão e não um “louco”, que pregava um modo de ser e agir totalmente contrários à postura da época. Essa é também a nossa postura quando não vemos em Cristo um modelo de homem perfeito, que torna possível a construção da verdadeira humanidade.


A promessa de felicidade é dada pelo próprio Deus, em Cristo, verdadeiro alimento, palavra viva: “Eis aqui o pão que desceu do céu: quem dele comer nunca morrerá” (Jo 6, 50). A “imortalidade” é exatamente a vida eterna, a felicidade que nunca acaba, próximos de Deus, o pleno bem-estar que o homem tanto busca.


Essa vida longe de tudo que é material, por isso, imperfeito, não se dá, porém, na negação da humanidade, mas no caminhar no processo de nossa autoconstrução contínua tendo Jesus como alimento-modelo dessa estrada. Essa trilha tem Deus como meta, fim da procura insaciável do homem por bem-estar, por uma Felicidade Completa e Infinita.


Que possamos ir aproximando-se do fim de todo homem que é a Perfeição, Deus, plena alegria do homem, seguindo os passos deixados por Jesus. Ele, que caminhou nessa terra, conheceu todas as adversidades humanas. A passar por todas elas e sair ileso, não pecando e ressuscitando após a morte, Cristo é o alimento nessa nossa caminhada rumo ao Pai celeste, que quer todos próximos de Si.

[Artigo Publicado no Jornal "A Folha", da Diocese de Caicó, ANO XXI, Nº 167, 08/08/2009]

O verdadeiro alimento - I



Estamos inseridos em uma estrutura de pensamento onde tudo está fundamentado pelo cálculo. O próprio homem é transformado em meio, isto é, instrumento para fins determinados. Dentro de uma realidade capitalista, por exemplo, ele é quantificado e convertido em produto.


Nem mesmo Deus escapa dessa categoria. Busca-se uma realidade superior, por meio da religião ou mesmo na adesão a uma filosofia de vida, pelo que ela pode nos trazer, pelos benefícios concretos que vai nos proporcionar.


Após ter alimentado milhares de pessoas com pães, muitos procuraram Jesus, recebendo dele uma repreensão santa: “vocês estão me procurando, não porque viram os sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos” (Jo 6, 26).


Procuramos, muitas vezes, Deus, não pelo que Ele é em Si, ou seja, uma realidade Perfeita, mas na busca de graças e bens materiais. Do mesmo modo, aproximamo-nos dos santos, que estão em comunhão com Deus, não para seguir seus exemplos e, com isso, nos aproximar da mesma realidade santificadora, mas pelos “milagres” que eles nos trazem.


Nesse sentido, transformamos a realidade Divina, Cristo, e seus santos em mercados de dons e benefícios. Pedimos algo através de uma oração ou promessa na esperança de consegui-lo, muitas vezes nem necessitando dele, sem saber se isso vai ser bom para nós. Chegamos ao cúmulo, muitas vezes de querer fazer trocas entre a graça a ser recebida e um “compromisso” a ser cumprido. Nisso, a providência divina é posta de lado.


Nosso movimento em busca de Deus deve ser pelo que Ele é em Si. Uma realidade perfeita, a plena Felicidade que quer todos próximos e em comunhão Consigo. Possamos tomar os santos como exemplos daqueles que se entregaram à providência de Deus, consigamos graças e bênçãos na imitação de cada um deles. A conquista da felicidade que buscamos nessa vida é consequência lógica da aproximação da Felicidade Plena, que é Deus.


A única graça que devemos buscar é a imitação do Cristo, o maior dos santos, o Deus-homem. É por ele que Deus nos dá o verdadeiro pão do céu, pois a única realidade que pode satisfazer os nossos desejos e nos fazer conquistar o que precisamos é a aproximação da vida de Jesus para as nossas existências.


O Apóstolo nos adverte: “É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da inteligência, e se revistam do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade que vem da verdade” (Ef 4, 23-24). O maior benefício que devemos buscar é uma transformação interior tendo o Cristo como modelo perfeito. É somente a partir na ação espiritual da inteligência, sopro Divino que nos motiva a buscar a felicidade da vida, que se pode realizar uma mudança efetiva de nós e de nosso contexto, repletos das graças e benefícios divinos.


Os pães que nessa vida recebemos de Deus, ou seja, as graças e os bens, são sinais que apontam para o Pão do Céu, dado por Deus em Cristo. Deus, na pessoa do Senhor Jesus, por meio dos santos está sempre com as mãos abertas para nos dar o que nós verdadeiramente precisamos. Basta-nos olhar e abraçar o Senhor, verdadeiro alimento para as nossas vidas, para podermos nos aproximar das felicidades que buscamos nesta terra, aproximando-se a cada dia da Felicidade maior.